Um desabafo agradecido.

by 02:10:00 1 comentários
Esse post é um misto de desabafo com agradecimento. É um desabafo porque pra agradecer, preciso dizer o por que, e aí entra o desabafo. Sei que com isso, me exponho, mas faz-se necessário e me exponho porque muitas das coisas do desabafo já não me incomodam mais.
 Comecei a me sentir uma aberração quando eu tinha sete anos e passei pra alfabetização. Antes disso eu era bem feliz e leve. Eu corria sem blusa, meus cachos ficavam soltos quando eu queria, ninguém me dizia que tinha coisa de menino e menina. Eu era criança. Aí veio a série de aprender a ler e eu achei que seria o máximo. Mas não foi tão legal assim. Eu não tinha amigos. As meninas me sacaneavam porque eu não era feminina, os meninos me sacaneavam porque eu não era feminina. Eu nem sabia o que significava, mas era sapatão. E eu pensava, meu pé é grande, mas e por que isso me desqualifica? Eu tinha boas notas, fazia todas as atividades, não tive dificuldade em aprender a ler, amava escrever, mas ainda assim não era capacitada pra ter amigos. Eu era estranha. Nas séries seguintes não foi diferente, quando eu acertava uma pergunta, os meninos gritavam "perfect!" e não era um elogio, era uma forma de reafirmar pra turma que eu não era legal, porque ao ouvirem isso, muitas piadas surgiam então eu sabia que não me achavam legal por saber responder. 
 E com esses anos passando, eu não desenvolvi o menor interesse em meninos, meninas ou roupas fofinhas e "de menina". Eu gostava de  brincar com meus brinquedos, de desenhar, escrever, de fazer coleções de livros, massa de modelar, casacos, cd's. Eu gostava de apostar corrida de bicicleta e de jogar vídeo game. E eu cresci, e eu continuei assim, sendo dese jeito. Ora me sentia menino, ora me sentia menina, e achava estranho, e tinha vergonha de compartilhar. Os abusos sexuais que sofri só me fecharam mais e me deixaram ainda mais transitória entre esses gêneros. Não queria roupas muito femininas, nem nada muito masculino. Se fosse básico eu usava. Assim eu cheguei no fundamental II e percebi que ser assim não era permitido, então eu arrumava o cabelo, porque assim eu parecia uma menina e as pessoas me importunavam menos. Mas não foi o suficiente, porque alguém disse eu realmente não sei quem, que o fundamental II é a época em que as pessoas tem que ficar com outras pessoas - mas só do sexo oposto.
 Vi dois colegas gays ficarem com garotas pra não sofrerem zoação, vi que os meninos continuavam me achando estranha e as meninas me cobravam alguma postura perante os meninos. Fingi paixonites. Disse que tinha me apaixonada, mas que havia passado, assim, ninguém me perturbava. Houve um tempo em que realmente me apaixonei, mas foi por uma colega do judô, bem mais velha que eu. Aquela velha história da pessoa X que se apaixona por seu vizinho Y e que eles têm alguma atividade em comum, mas esse um nunca consegue nada e nem se declara, e foi oque rolou. 
 Eu continuei me desenvolvendo e me percebendo diferente e sendo diminuída por isso. Me sinto um nada na faculdade, em casa... Não sou vaidosa da forma certa, não valorizo "a minha beleza", não uso roupas que mostrem que sou mulher... As pessoas querem coisas binárias e não alguém como eu. Mas aí entra a parte em que agradeço.
 agradeço por ter conhecido a minha namorada que me ama da forma como sou e nunca exige essas coisas que não sei ser de mim. E agradeço a um grupo que criei pra discussão e que me mostrou tanta coisa. Foi graças a ele que aprendi não faz muito tempo que sou do grupo de "gênero fluido", e que isso não faz de mim uma aberração. Tenho aprendido muito com pessoas que nunca imaginei aprender. E assim, eu me amo um pouquinho, já que fui ensinada a não gostar de nada no meu corpo, porque ele é estranho e feio. Aprendi a me amar mais um pouquinho por não ser binária e isso não me torna o monstro do lago Ness. Então, muito obrigada pessoinhas lindas do Transcendental.

Yoshi

Developer

Curiosa, viciada em séries, designer, feminista graças à Deusa e pisciana, graças ao universo.

Um comentário:

  1. Eu te entendo, Aninha. Não sou de comentar, mas por geralmente não saber o que dizer.
    Mas olha, você pelo menos se encontrou. Eu namoro um menino, e gosto muito disso, juro. Daria minha vida pelo meu menino.
    Mas até hoje é confuso pra caramba pra mim. E dê sorte que seus pais não te obrigaram a fazer tratamento hormonal pra mudar a aparência. Foi a pior coisa que eles já fizeram comigo. Se eu tivesse entendimento sobre o que era aquilo e a porrada de consequência que iria me trazer, cujo são refletidas até hoje, jamais, JAMAIS teria deixado.
    Então agradeça pela sua nega, e já que você conseguiu essa dádiva que não fui agraciada, continue se amando! ♥

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