Desabafo

by 22:19:00 2 comentários
 Sou negra. Não morena, nem moreninha. Não sou mulata, e não lhe dou liberdade de me chamar de nêga. Não sem antes me conhecer e saber minha realidade. Começo esse desabafo assim, desaforada, porque estou farta de ser taxada de tudo que é coisa por ser negra, por ser mulher.
 Acho um absurdo ver esse bando de branco se dizendo representante de nós, negros. Como você representa algo que não faz parte da tua realidade? Que você apoie, simpatize, lute ao lado, mas não se coloque a frente, não fale por nós.
Temos voz, sabemos falar por nós e acredite, só nós podemos responder por nós. Só quem sofre o racismo velado na pele diariamente é quem pode reclamar das mazelas que é ser negro num país de maioria negra, mas que age como branco, porque assim nos foi imposto. É tão triste saber que se declarar negro é motivo de descriminação, de chacota, de redução.
Vocês brancos tem o péssimo costume de se meter em tudo, querer validar tudo, dizer amém ao que acha que lhe convém ao que acha que é da sua alçada também, mas tenho uma coisa a lhe dizer: não é. Eu não preciso do teu amém para dizer que sou negra, que me assumo com meu cabelo crespo, com meus traços negros, com minha realidade negra. Não é você quem valida isso, sou eu.
Sou eu quem acorda todos os dias e aprende a se orgulhar da cor e da origem um pouco mais. Quando eu digo que não vou alisar meu cabelo porque você acha bonito, eu estou dizendo que não vou alisar porque amo meu cabelo natural. Quando eu digo que meu corpo é meu, que a minha vida sexual pertence à mim e que eu não levo uma vida promíscua só porque você quer, eu estou dizendo pra você parar de agir como se todo negro tivesse pênis grande e toda negra desse pra todo cara que quisesse.
E quanto a esse povinho metido a escritor negro, se comparando a mais negros... É, estou falando do tal do Miguel Falabella. Querido você não é o Spike Lee. E você pode até escrever sobre a sua realidade, mas sinto informar que sua realidade é misógina, racista. Você é bem famoso por criar bordões que diminuem. “Eu tenho horror a pobre”, já dizia teu personagem, o Caco Antibes. Tua série me causa asco e a tua defesa me causa tanto nojo que eu até ri, tamanha ‘ridicularidade’ do que estava escrito. Você tanto diz defender as negras e a forma como elas vivem, diz tanto não vulgariza-las que simplesmente começou teu texto objetificando a moça que você disse ter contribuído para o título da tua série.
Eu não sou representada por sexo e badalação. Me coloque como alguém que batalha, me descreva como uma rebelada que se mostrou dedicada aos estudos e não ao que todos dizem que serei. Eu sou pobre, e muitos negros também, mas as camareiras, as professoras, as domésticas, as ambulantes, as putas... São mais dignas que as descritas em séries feitas de brancos para brancos. Eu li no blogueiras negras essa semana o que levarei para toda a minha vida: só um negro pode escrever sobre o que é ser negro, sobre a vida negra... Então parem vocês brancos de agir como se soubessem o que é ser negro. Vocês não têm a mínima ideia da delícia e da dor de ser o que somos, quem somos, como somos. Escrevam sobre vocês, a realidade de vocês. Dizer que escreve sobre um negro pra por dois negros atuando num elenco de 30 atores brancos, e dizer que assim está dando oportunidade ao negro... Sinto dizer, mas nem mesmo os pombos gostam de comer migalhas por toda a vida.

Yoshi

Developer

Curiosa, viciada em séries, designer, feminista graças à Deusa e pisciana, graças ao universo.

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